"Agradeço aos educadores e aos alunos desta rede imensa pela valentia de persistir, de realizar e de sonhar. E pelos jardins que plantam em minha alma." |
"Eu sou aquele menino
Que cresceu por distração."
Paulo Bomfim.
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“Todo jardim começa com uma história de amor, antes que qualquer árvore seja plantada ou um lago construído, é preciso que eles tenham nascido dentro da alma. Quem não planta jardim por dentro, não planta jardins por fora e nem passeia por eles.” Rubem Alves
Tenho vivido experiências intensas de escuta e de aprendizado nas diversas regiões desta imensa cidade de São Paulo. Encontros com educadores, pais e alunos têm aumentado minha fome de trabalho pela educação. O carinho e a confiança dessa gente aumentam a responsabilidade e a necessidade de prosseguir com coragem e com muita humildade. Humildade de quem aprende com as palavras, com os gestos e com as emoções que têm tornado tão ricos esses momentos. Em um desses encontros com a rede, ao chegar ao CEU Vila Curuçá, um aluno, Nathan Viana, de 13 anos, quis ler um poema seu. Atentamente, eu o ouvi declamar:
A vida é como lugares,
E esses lugares têm que ser bem utilizados.
O primeiro lugar é um jardim
Um jardim bem florido
Quem não aproveitou, errou.
O segundo é um túnel com dois caminhos
Certo e errado, muita gente seguiu o errado
Agora está soterrado.
O terceiro não tem jardim nem túnel
Ele é só trabalho, só trabalho...
Ele é o lugar para ver se você aproveitou os outros lugares.
E o quarto lugar é outro jardim,
Mas é de orquídeas que quando são tocadas fortemente
Suas pétalas caem,
Mas quando são tocadas suavemente se sentem emocionadas.
Devemos respeitar esses lugares e cuidar deles,
Porque eles são a nossa vida.
Deu-me o livro de presente, coordenado por duas educadoras, Maria Gorete Cordeiro e Rosmari Pereira de Oliveira. Li vários outros poemas nascidos, certamente, de várias outras experiências de vida. E alimentei-me de esperança. Saraus literários, contação de histórias, violeiros que iluminam as palavras com suas canções. Projetos nascidos da inspiração de professores, bibliotecários, alunos.
Olhei para o Nathan, tão menino e tão cheio de familiaridade com as palavras. Um jardim florido na infância de todos nós, celeiro dos frutos que daremos, dos fluxos que haveremos de viver. Fala o pequeno poeta em escolhas erradas, em trabalho, em suavidade.
Vi-me, ali, na minha infância, quando comecei a escrever. E, em pensamento, fui conduzido pelos versos do Príncipe dos Poetas, Paulo Bomfim.
EU SOU AQUELE MENINO
Eu sou aquele menino
Que o tempo foi devorando,
Travessura entardecida,
Pés inquietos silenciando
Na rotina dos sapatos,
Mãos afagando lembranças,
Olhos fitos no horizonte
À espera de outras manhãs
(...)
Que varandas me convidam
A ser criança de novo,
Que mulheres, só meninas,
Me tentam cabular
As aulas do dia a dia?
Eu sou aquele menino
Que cresceu por distração.
Nesses encontros, contemplo os talentos que se revelam e me preocupo em abrir as cortinas do palco da vida para que cada um desempenhe o seu papel. Que se tornem protagonistas da própria história, com um repertório ampliado que lhes possibilite escolher, com uma postura ética, que os ajude a perceber que conviver com respeito é o melhor caminho para a construção de uma sociedade de paz.
Há muitos que ainda estão à margem. Há muitos que padecem da ausência de afetos dentro das próprias casas. Há muitos que engatinham sem perspectivas de levantar porque lhes falta a mão necessária. O amanhã depende do hoje, dos alicerces que estamos levantando. É a educação a política pública garantidora das demais. Todo esforço é essencial para não deixar ninguém para trás.
Agradeço aos educadores e aos alunos desta rede imensa pela valentia de persistir, de realizar e de sonhar. E pelos jardins que plantam em minha alma.
Por: Gabriel Chalita (fonte: Diário de S. Paulo) | Data: 01/03/2015
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