Nasci quando o mundo começou.
Eu sou eu.
Meu nome é Pomme.
Minha mãe é da África.
Veio voando. Até chegar aqui.
Quando seus pés tocaram o chão, viu meu pai.
E meu pai a viu.
Isso foi ainda antes do mundo começar.
Ela ainda não sabia que ele era meu pai, porque ainda
não me conhecia.
Ela estava com fome e sede, e pouco dinheiro.
Comprou duas maçãs verdes.
Guardou-as na bolça, porque
nunca se sabe.
Papai carregou pra ela a mala pequena.
- Você é linda - disse ele. Mas ela não
ouviu bem.
- Parece uma princesa - disse ele. Ela
entendeu o que ele queria dizer.
- Vou levar você a um castelo. Um
pequeno castelo.
Ela mordeu a maçã e riu para ele.
Pomme, disse em francês.
Ofereceu-lhe também uma maçã.
Papai deu uma mordida.
Moravam muitas pessoas no castelo.
As mãos contavam histórias.
Todos entendiam as canções que eram cantadas.
Canções sobre o sol desaparecendo atrás das colinas,
sobre a lua querendo espantar a escuridão, sobre amores distantes.
O castelo tinha muitos quartos com janelinhas.
E portas que ficavam sempre fechadas.
Papai vinha todos os dias e sempre trazia maçãs verdes.
A comida era para todos.Mamãe experimentava de tudo um pouco.
As maçãs, guardava-as para si.
Enfiando os dentes nelas, olhava pela janela o mundo lá fora,
que ainda não tinha nem começado.
Via os galhos desfolhados de uma árvore.
A água, escorrendo pelas vidraças, gotas sobre o telhado.
Água por todos os lados.
E frio.
Papai a mantinha aquecida.
Vou procurar uma casa para você, disse papai.
Quando a chuva parar.
Mamãe olhava todos os dias para o céu.
De noite, contava estrelas com papai.
O silêncio era vasto como o mar.
A cama virava então um barco balançando sobre as ondas.
Mamãe não se atrevia a sair de casa.
Pássaros faziam ninho na calha de água pertinho da sua janela.
Eles traziam cheiros que ela não conhecia.
Os galhos se enchiam de folhas verdes.
Até que a chuva cessou.
- Chegou a hora - disse papai.
Procuraram uma casa aos pés de uma torre.
- Assim eu fico pertinho de outras pessoas - disse mamãe. -
Aí então pode começar o mundo.
Encontraram uma torre, mas o portão estava fechado.
As casas, todas ocupadas.
As cortinas, todas fechadas.
Foram procurando cada vez mais longe da torre.
Uma casa pequena teria tudo o que uma casa tem de ter.
Teto, janela e porta.
E uma trilha indicando o caminho para dentro.
Apareceram novas palavras.
- A porta deverá ficar sempre aberta - disse mamãe, rindo.
O verão enchia as tigelas de morangos com chantili.
Mamãe rearranjou tudo.
Os quartos, as roupas e a vida.
Enrolava na cintura panos largos com flores desabrochando.
Fazia cortinas que ficavam sempre abertas.
O sol foi ficando magrinho, dando chifres às sobras.
O vento brincando com as folhas mortas. E elas
foram entrando sem permissão.
Mamãe aprendeu a fechar as portas.
Ficava sentada numa cadeira, esperando.
Papai lhe dava maçãs verdes
e segurava as suas mãos.
Ele fechava as cortinas.
- sinto falta da luz - dizia mamãe -,
temos de abrir as cortinas,
ainda há estrelas por contar.
Ela estava olhando o céu.
Os pássaros voavam para longe.
Mamãe começou a cantar.
Eu ouvi lágrimas na sua voz.
Ela já estava farta de tanta chuva.
EU QUIS DESCER DO COLO DELA.
As águas romperam a BOLSA, e O MUNDO COMEÇOU.
Estava escuro do lado de fora, claro do lado de dentro.
Quando eu CHEGUEI, papai acendeu as estrelas.
Senti mãos quentes.
- Aí está ela - disse mamãe.
- Aí está ela, inteirinha! - disse papai.
FOI QUANDO EU SOUBE QUE EXISTIA.
Nevou e tudo ficou macio.
O mundo, cheirando a maçã verde.
- Você é feita para levar uma mordida - riu mamãe.
E deu a mim o meu nome.
Eu sou eu.
Meu nome é Pomme.
Ilustração: Steanie De Graef
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