São Paulo em palavra, em poesia
“Alguma coisa acontece no meu coração” (Sampa, Caetano Veloso)
Adoniran Barbosa, “dá licença de contá” a sua São Paulo. A nossa São Paulo. A cidade que há 461 anos, numa colina entre os rios Anhangabaú e Tamanduateí, nasceu para ensinar. Antes de ser cidade, São Paulo foi escola. E continua sendo. Não sobrevivemos ilesos aos seus paradoxos, tão cristalizados e dolorosos. Crescemos com eles. São José de Anchieta versificou as marcas de algumas de nossas injustiças em seu nascedouro. As mesmas que, tanto tempo depois, sobrevivem nos livros e nas ruas de Ferréz e seu Capão Redondo, “Capão pecado”.
Ah! São Paulo que desperta paixões. De poesia e poeira. De rimas e desencontros. A “São, São Paulo”, de Tom Zé. A cidade que vem “morrendo a todo vapor” em abismos culturais, econômicos, sociais. Em abismos viscerais. Palco das “Diretas Já” e de tantos desalentos. Da Semana de Arte Moderna e das crianças abandonadas à sorte. Mário de Andrade, escritor que protagonizou o movimento modernista, declara, em diversos fragmentos de sua obra, seu fascínio pela “Pauliceia desvairada”. Cidade colcha de retalhos. Que desperta risos e lágrimas. “Arlequinal”. Mas, em seu “Prefácio Interessantíssimo”, Mário adverte-nos: “versos não se escrevem para leitura de olhos mudos”. Cada nuance de sua musa inspiradora, a cidade de São Paulo, é revelada no dito e no não-dito de sua obra. E sua poesia lapida nosso olhar. Nas ruas e nos livros.
Ah! São Paulo, comoção da vida de Mário de Andrade, comove também o príncipe dos poetas, Paulo Bomfim, que declara: “Pelo crime de seres boa, pelo pecado de tua grandeza, pela loucura de teu progresso, pela chama de tua história – eu te amo, São Paulo!”. Novamente, a dualidade. O sentimento dual é reiteradamente (e encantadoramente) declarado por escritores, músicos e por todos nós que descortinamos sua verdade. Moramos em São Paulo e ela mora dentro de nós. Como canta Tom Zé, “com todo defeito/ Te carrego no meu peito/ São, São Paulo/ Meu amor”.
Fomos forjados pelo sangue de trabalhadores que não temeram nem a garoa nem o futuro. Acolhemos imigrantes, como retrata Alcântara Machado em “Brás, Bexiga e Barra Funda”; e por vezes, nos distanciamos de nós mesmos. São Paulo, uma cidade que não rejeita ninguém. Nesse barro, fomos criados. Com trabalho e lirismo; acolhimento e coragem. Em São Paulo, encontramos os becos do Brasil e as marcas mais valiosas de Milão. A São Paulo que puxa o “r” para explicar o “porquê” de tudo fala também todas as línguas. Aqui, vive um mundo. Pelo caminho, encontram-se os contrastes que compõem o nosso mosaico cotidiano. As histórias que vivem rentes à nossa pele. Como a de Carolina Maria de Jesus. Ela era negra, pobre, mãe solteira, catadora de papel e foi muito discriminada até descobrirem sua palavra, sua confidência. Sua história de vida sai da extinta favela do Canindé, “o quarto de despejo da cidade,” e chega às bibliotecas e estantes de vários países no livro “Quartos de despejo”. Seu calvário, igual ao de tantos outros.
As astúcias poéticas que permeiam a história de nossa cidade e que cantam os versos do nosso dia a dia são inúmeras. São mais de 10 milhões de histórias que pulsam com encantamento e dor. A São Paulo de Adoniran, São José de Anchieta, Ferréz, Tom Zé, Mário de Andrade, Paulo Bomfim, Alcântara Machado e Carolina Maria de Jesus é tão minha quanto sua. É dos paulistas e de todo o mundo. Parabéns, São Paulo. 461 anos da capital da esperança.
Livros e músicas
“Sampa”, de Caetano Veloso
“Saudosa maloca”, de Adoniran Barbosa
“São, São Paulo”, de Tom Zé
“Capão pecado”, de Ferréz
“Pauliceia Desvairada”, Mário de Andrade
“Insólita metrópole”, de Paulo Bomfim
“Brás, Bexiga e Barra Funda”, de Alcântara Machado
“Quarto de despejo”, de Carolina Maria de Jesus
Por:Gabriel Chalita (fonte: Diário de S. Paulo) | Data: 25/01/2015
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