Eu tive um irmão com síndrome de Down. Era o terceiro de quatro filhos, e eu era o caçula. Meu irmão cantava e dançava boa parte do dia. Tinha também os seus brinquedos e todo o nosso afeto. Naquela época, a inclusão era ainda uma utopia. Frequentar escolas com outras crianças, aprender e ensinar, conviver, era, praticamente, um tabu. Minha mãe dedicou a vida a cuidar dele, e nós o amávamos muito.
Dia desses, conheci Yasmin, uma menina com Down que estuda em uma escola municipal e que conversa e que abraça e que ri de pequenas coisas, porque percebe que, nas pequenas coisas, está a alegria. Yasmin me abraçou fortemente, quis ficar no meu colo, encostou a cabeça no meu ombro e, quando a professora quis levá-la, ela explicou: "está bom aqui". Yasmin trouxe a memória afetiva do meu irmão. Ele faleceu com 33 anos. Cedo demais. Ele foi o meu companheiro de tantas brincadeiras infantis e a minha inspiração para alguns dos meus primeiros escritos. Júnior era o seu nome. O nome de meu pai, um homem bom, que cuidou de todos nós e nos ensinou a amar as diferenças e a compreender a beleza que há nelas.
Sempre defendi a bandeira da inclusão. Alunos com deficiência convivendo com outros alunos, aprendendo juntos o valor da solidariedade, do respeito; e desenvolvendo habilidades que, todos nós, com maior ou menor dificuldade, somos capazes. Yasmin transmitia a espontaneidade e a alegria tão comuns nas crianças com Down. A professora levou-a com delicadeza, dizendo-me, "essa menina é um presente". Meu pai dizia isso do meu irmão: "Meu filho Júnior é especial, um presente especial de Deus".
Há muito a ser feito pelas pessoas com deficiência. A verdadeira inclusão depende de ações concretas em todos os ambientes que eles têm o direito de frequentar. Se olharmos para trás, já evoluímos muito. E assim tem que ser. O perfume de Yasmin frequentou a minha alma naquele dia. Saudade do meu irmão.
Por: Gabriel Chalita (fonte: Diário de S. Paulo)
A educação nos desperta para a beleza da convivência entre os diferentes. O verbo "cuidar" é a base da nossa realização.
Desde o início precisamos de cuidados. Foi assim que nos desenvolvemos. E ao experimentarmos o exercício do cuidar nos realizamos.
Gabriel Chalita
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