Páscoa, passagem
Páscoa é passagem. Passagem da morte para a vida. Passagem da escravidão para a libertação. Passagem para um novo começo. Momento de renovação. Na Páscoa antiga, celebrava-se o fim dos tempos duros no Egito e o início de uma nova caminhada sem a opressão de dono algum. Moisés conduziu o povo com a fé no amanhã, com a esperança dos novos ventos. E o mar se abriu diante daquela gente valente que trocou as correntes pelo desconhecido. Na Páscoa nova, a ressurreição de Cristo, a força que rasga a morte, inaugura um tempo novo para aqueles que compreendem que mal algum supera o Bem. Na madrugada do domingo, a esperança se reacende, após o período da escuridão gerado por homens mal informados, mal formados, mal amados. O calvário de Cristo se repete ainda hoje. Cruzes são carregadas por mulheres e homens de todos os cantos que aguardam um canto novo para viver.
Em sua mensagem de Quaresma, papa Francisco nos alerta: “Fortalecei os vossos corações”. Vivamos este momento como o tempo de formação de nossos corações, tomando por inspiração o amor humilde derramado por Cristo sobre nós. “Ter um coração misericordioso não significa ter um coração débil. Quem quer ser misericordioso precisa de um coração forte, firme, fechado ao tentador, mas aberto a Deus; um coração que se deixe impregnar pelo Espírito e levar pelos caminhos do amor que conduzem aos irmãos e irmãs; no fundo, um coração pobre, isto é, que conhece as suas limitações e se gasta pelo outro”.
Façamos esse percurso, hoje, no dia da Páscoa, tempo de celebração da vida. Recusemos as atitudes individualistas anunciadas pela temerosa globalização da indiferença. Persigamos as sendas do amor ao próximo, aos mais necessitados que nos revelam quão frágil é a vida. Somos todos irmãos. Cada vida cuidada sinaliza nossa presença, nossa intervenção na humanidade. Nossa ação de fé.
"Na casa de meu Pai há muitas moradas", é essa a promessa do Filho de Deus. É a fé que nos abre as portas dos Céus. Temos inseguranças diante da morte: medo, lamentação. O útero materno que nos acolheu durante nossa gestação foi nosso primeiro espaço seguro. Dele partimos para onde estamos hoje. Choramos a insegurança diante do novo. O mundo em que vivemos é um novo útero que, apesar dos solavancos todos, nos acolhe. E, desse útero, iremos para onde não sabemos, assim como foi com o nosso nascimento. A crença na ressurreição nos anima a não nos desesperarmos.
A Páscoa tem símbolos que expressam todos esses significados. O ovo é sinal de vida. Vida que se renova quando se compreende, quando se sente. Ressignificar a própria vida nos ajuda a ser mais doces.
Ovos de chocolate. A docilidade diante do outro, a bondade, a generosidade, a compreensão de que nossas relações podem fertilizar uma terra melhor, sem as escravidões contemporâneas. Fertilidade é o símbolo do coelho. Capaz de gerar vidas. Geramos vida não apenas no nascimento de novas pessoas, mas no nascedouro de ideias que combatem a escravidão. O ódio é uma forma de escravidão, a apatia também. As drogas que interrompem a vida jovem é uma escravidão. As lícitas e as ilícitas. O amargor é uma escravidão assim como o é a ausência de sonhos.
O povo que saiu do Egito significa muito. Sair do comodismo, da alienação, da mentira, da corrupção. E acreditar no novo. Acreditar em um tema que alimente de vida a nossa vida. Os profetas antigos serviam para manter aceso esse tema. Os profetas de hoje nos inspiram com seus atos. Fazem-nos continuar acreditando no ser humano, apesar dos deslizes. Recobram-nos o barro de que fomos feitos. Francisco, o líder católico, alimenta-nos: “Para nós, a sua alegria pela vitória de Cristo ressuscitado é origem de força para superar tantas formas de indiferença e dureza de coração.” Que o domingo de Páscoa seja a renovação de nossa força, de nossa fé, de nosso amor.
Feliz Páscoa!
Renova-te.
Renasce em ti mesmo.
Multiplica os teus olhos, para verem mais.
Multiplica-se os teus braços para semeares tudo.
Destrói os olhos que tiverem visto.
Cria outros, para as visões novas.
Destrói os braços que tiverem semeado,
Para se esquecerem de colher.
Sê sempre o mesmo.
Sempre outro. Mas sempre alto.
Sempre longe. E dentro de tudo.
Cecília Meireles
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