Os 200 anos de Dom Bosco
Comemoram-se os 200 anos de nascimento de D. Bosco. Gabriel Chalita escreve em homenagem à vida e à obra desse educador e homem de fé
João Bosco nasceu em 16 de agosto de 1815. Hoje, comemora-se seu bicentenário. O Papa João Paulo II, no centenário de sua morte, proclamou-o "Pai e Mestre da Juventude". Sua história explica as razões.
Órfão de pai aos 2 anos de idade, foi sua mãe, Margarida, analfabeta como o pai, a sua mestra inspiradora. Se lhe faltava a cultura dos livros, sobravam-lhe bondade e fé. O pequeno João trabalhou como sapateiro, ferreiro, carpinteiro. Caminhava, diariamente, 20 quilômetros para chegar à escola. Não poucas vezes ia de pés descalços, para economizar calçados. Mas não reclamava. Sempre cultivou a alegria como um valor fundamental da vida.
Aos 9 anos, teve um sonho. Nesse sonho, via alguns jovens brincando alegres, dançando, partilhando a amizade, e outros brigando. Ele se dirige aos que estão brigando e pede que parem de se agredir. Como não é atendido, resolve se impor, batendo nos jovens. Em meio às brigas, um homem surge e diz a ele: ”Não será com pancadas que transformarás esses jovens em amigos. Trata-os com bondade! Mostra-lhes quão bela é a virtude e quão desprezível é o vício.”
Esse sonho nunca foi esquecido por Dom Bosco. Quando manifestou seu desejo de ser padre, assim explicou: "Quando crescer, quero ser padre para cuidar dos meninos. Todo menino é bom; se há meninos maus, é porque não há quem cuide deles".
Dom Bosco acreditava profundamente nisso. Não há como imaginar que Deus tenha feito alguns para serem bons e outros para serem maus. Tudo é uma questão do cuidar. Dizia ainda: "Em todo jovem, mesmo no mais infeliz, há um ponto acessível ao bem, e a primeira obrigação do educador é buscar esse ponto, essa corda sensível do coração e tirar bom proveito". Ele dizia e vivia esses conceitos. Toda a sua vida foi dedicada a esse sonho de cuidar dos jovens, principalmente daqueles que ninguém queria cuidar.
Certa vez, um sacristão pede a um menino que estava na Igreja que o ajude na missa. Quando fica sabendo que o menino não sabia o que fazer, resolve expulsá-lo. Dom Bosco acolhe o jovem e explica ao sacristão que ele era seu amigo. Conversa com o menino, fica sabendo seu nome, que não tinha pai nem mãe, que não sabia escrever. E o convida para vir toda semana e que traga outros jovens. Assim começa a sua obra. Em pouco tempo, eram 200. Depois 400. Eram expulsos de onde moravam. Tinham que buscar outros espaços. A cidade se dividia. Os que o apoiavam achavam que apenas ele poderia controlar esses pequenos bandidos, os que o criticavam diziam que, um dia, tudo fugiria ao controle. Alguns achavam que Dom Bosco era louco. Padres conhecidos seus quiseram interná-lo em um hospício. Mas ele persistia, acreditando no sonho primeiro e sentindo a proteção de Nossa Senhora Auxiliadora.
Sua obra, os salesianos, está espalhada em todos os cantos da terra. Tive a honra de ser um aluno salesiano no Colégio São Joaquim, em Lorena, e depois na Faculdade de Filosofia. Fui professor, nesse mesmo colégio e no Colégio Santa Teresa, das freiras salesianas. Bebi dessa fonte que acredita na bondade humana e que se ocupa de educar os jovens sem medo de amá-los.
Dom Bosco criou um sistema em que educava pela razão, pelo coração e pela religião. A razão é o ofício que ajuda crianças e jovens a discernir, a conhecer, a produzir, a construir a própria história. O coração cuida dos laços que nos ligam uns aos outros, das emoções, da confiança em seguir adiante, enfrentando os medos. E a religião dá significado à existência - o elo de amor com o Amor maior que nos criou para a bondade.
Antes de estudar com os salesianos, fui aluno de uma escola pública em Cachoeira Paulista. Ali, inspirado pelas minhas primeiras professoras, nascia o desejo de ensinar. E, depois, com os salesianos, fui compreendendo a beleza de educar com afeto, com vínculo. Na PUC, conheci Paulo Freire que também pregava a boniteza da vida em uma educação que não tinha medo em ser amorosa.
Dom Bosco morreu em Turim, no ano de 1888, aos 72 anos de idade, mas sua obra permanece. Seus dizeres alimentam de esperança milhares de jovens que, nos colégios e nas obras sociais, são convidados a revelar o seu melhor. Reler os seus ensinamentos e perceber a atualidade dos seus sonhos ajudam a construir uma pedagogia absolutamente correta. Não há como educar sem vínculo, não há como estabelecer uma relação de ensino e aprendizagem sem compromisso. É preciso gostar de estar com os jovens. É preciso compreender que a rebeldia, a inquietude, os sonhos são aliados de uma educação para a autonomia, a liberdade. Não fomos criados em série. Somos singulares. E o educador precisa levar isso em consideração. Educar será sempre um desafio, será sempre trabalhoso, será sempre uma ação que carece do simbólico. É preciso ir além, suplantando os que nos têm como loucos, por acreditarmos tanto no ser humano e por decidirmos não desistir de ninguém nem de quem nos dá muito trabalho ou de quem ninguém quer cuidar.
Há mulheres e homens que nos inspiram a prosseguir, Dom Bosco é um deles e para nós, educadores, uma luz resistente, nascida há 200 anos. Luz que iluminou e ilumina por ter a energia de saber que "Deus nos colocou no mundo para os outros".
Por: Gabriel Chalita (fonte: Diário de S. Paulo) | Data: 16/08/2015
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